quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Palavras mágicas


A educação assume um papel preponderante na vida das pessoas, com ela tudo se torna mais simples, mais acessível. Grande parte das vezes nem damos por ela, é algo natural. Podemos valorizar o facto de alguém ser demasiadamente bem-educada, há quem elogie, há quem torça o nariz (acho que há um dito popular sobre isso, mas não me ocorre).
Quando num primeiro contacto me abordam sem o mínimo desejável de boas maneiras, apertasse-me logo o estômago, faço o que me compete, mas sem a prontidão e simpatia com que devia. Penso que há na Bíblia um versículo qualquer que diz para tratar o próximo com amabilidade, independentemente de este te ter tratado com indiferença ou arrogância. Se não há, deveria haver. Nem sempre consigo, mas tenho treinado. Às vezes as pessoas percebem e aprendem.
Desabafo sobre este tema porque em muitos turnos, o meu trabalho consiste em escutar as queixas de várias dezenas ou mesmo a passar a centena de pessoas, mediante esta(s), determino uma prioridade e um encaminhamento, a conhecida triagem de Manchester, onde se vira à esquerda (outros queriam que se virasse à direita, não percebi porquê), mas também porque entre as relações profissionais, deparo-me enumeras vezes com falta de educação. Ainda há bem pouco tempo alguém comentava num post recente, “e como é que vós tratais/chamais os auxiliares?” da minha parte peço desculpa se alguma vez tratei mal, a má disposição que às vezes trazemos de casa, reflecte-se no comportamento, nas maneiras, por isso se diz que os problemas ficam em casa, mas muitas vezes não ficam.
Entre profissionais...
Surge repentina uma administrativa e diz-me no corredor, Preciso falar com a Dr. T, Não sei onde está, respondo. Ficamos por ali, resposta ou reacção perfeitamente normal. Boa tarde! Viu a Dr. T? Precisava falar com ela, Olhe que não sei onde está, mas espere um minuto e já a ajudo. E encontraria a Dr. T, como é costume nos enfermeiros, temos a capacidade de encontrar toda a gente, nos mais inesperados locais. Cá está! A administrativa resolveu o seu problema com apenas mais umas palavras! Simples..
Entre profissionais e utentes…
Na triagem, Bom dia Srº Enfermeiro, olhe dói-me a barriga e já não dou de corpo há 3 dias, Mas dói-lhe muito, pouco?… é uma dor branda, suporta-se. Pela sua simpatia e boas maneiras, até permitiria uma pequena mentira se tivesse dito muito. Teria levado a pulseira amarela, mas como era sincera e percebia facilmente que há quem venha pior, foi ela própria, correcta, levando a verde.

A minha atitude arrefece logo quando entram, sentam-se e dizem secamente, Tou com gripe, doe-me a cabeça! Algumas vezes procuro dar no instante, subtilmente, uma lição de boas maneiras, entoando com decibéis aumentados, BOM DIA! Algumas enxergam e rebobinam, apesar de não ser um bom dia, fica sempre bem. Outras vezes, deixo passar, atendendo à possível distracção ou dor que a provoque. Mas como está a dor? Dói-me muito! Aumentando ela desta vez os decibéis, Se não me doesse acha que vinha para aqui?! Já vi quase tudo, penso, Olhe eu tenho que lhe fazer perguntas para poder triar da melhor maneira, há quanto tempo lhe dói? Começou há pouco, E tomou alguma coisa? Não tenho nada em casa. De 0 a 10, como está a sua dor? Imagine que 0 é sem dor, 10 é a pior dor que alguma vez teve, uma dor insuportável. Eh pá, então é 9, 10. Tu queres ver.. cefaleias, laranja.. é pra medicina, raciocino irónico… vão-me comer vivo!

(APARTE: Por estatística mental, 95% dos utentes na triagem, quando questionados através da escala de dor, nunca responderam menos de 7. Seriam todos laranjas… mas não são, porque os enfermeiros têm um 6º sentido, não há ninguém melhor que nós para conhecer, avaliar a dor, diariamente lidamos com ela, conhecemos-lhe as manhas, os silêncios, as expressões.)
Assim se percebe a importância das palavras mágicas: Bom dia, Se faz favor, Obrigado… mas sem exageros, ora vejam



Abraço
G.

4 comentários:

  1. Estou a comentar da cidade de Pau, terra natal de Pierre Bourdieu e lembro-me da relacao entre psicologia, biologia, teologia, biologia, entre outras disciplinas para compreender a dor e, sobretudo, o conceito de sofrimento. Recordo a historia de Job, a psicanalise de Lacan, o rancor social da dominacao, o sofrimento de Jesus na cruz ou do Cristo incarnado, do "moi" e do "ça" de Freud, para continuar a pensar no que compreendem os enfermeiros sobre os pacientes e no que os faz compreender assim mesmo. Excelente ponto de partida para uma viagem sobre a natureza humana. Um insignificante Neandartel voando num ninho de cucos e que da pelo nome de Xuxé

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  2. Boa Noite,
    recomendo a leitura deste texto acompanhada da música de CoCo Lee - Magic Words http://www.youtube.com/watch?v=nPmm2YtIn-I

    Muito bem Guilherme, é disso que estamos mesmo a precisar, de “palavras mágicas” e como Andre Gide referiu “Tudo já foi dito uma vez, mas como ninguém escuta é preciso dizer de novo”.

    Não vou falar do Xuxé, nem vou entrar nessa do comentário anterior no que respeita ao “que compreendem os enfermeiros sobre os pacientes”, causa-me uma séria perplexidade que alguém tenha dúvidas sobre isso…
    A magia das palavras está sempre nos intervenientes e na comunicação que se estabelece:
    Conseguem lembrar-se da palavra de Deus?
    Conseguem lembrar-se das palavras de Hitler?
    Conseguem Lembrar-se das palavras de Salazar?
    Conseguem lembrar-se das palavras de Bush?
    Conseguem lembrar-se das palavras do Engenheiro Sócrates antes das eleições?

    Claro que cada um só se lembra do que quer e nem todas as palavras nos despertam as mesmas reacções e sentimentos, portanto, umas vezes as palavras confortam, outras arrasam, são assim as palavras dos nossos colegas chefes, dos nossos ERC, dos outros colegas de turno, são assim as palavras dos auxiliares e dos médicos, são assim as palavras que dizemos aos doentes e famílias, digamos que talvez por isso, um gesto, um olhar e um aperto de mão valem mais do que mil palavras…mas o que me trouxe aqui é a magia das palavras e porque alguém disse “o Melga para a administração”, vou aceitar a magnânima força dessas palavras e convido o Guilherme para me acompanhar, assim como todos aqueles que se identificam com este projecto:
    “A IMAGINAÇÂO E A CRIATIVIDADE AO PODER”.

    Utilizem um motor de pesquisa à vossa escolha, procurem dados estatísticos da OCDE(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) e comparem-nos com os dados relativos a Portugal, assim, vão encontrar:
    que as despesas de saúde em % do PIB em Portugal foram de 8.8% em 2000 e de 10.2% em 2005, enquanto que as médias da OCDE foram de 8.3% em 2002 e 9.4% em 2005.

    O que concluem? - que as despesas com a saúde em Portugal foram superiores às da média da OCDE.

    Tudo bem, somos dos melhores, mas procurem agora indicadores de resultados e dos meios utilizados no sector da saúde no ano de 2005, em que:
    Despesa total em saúde per capita (em dólares) 2033 em Portugal e 2759 média da OCDE;
    Nº de médicos por 1000 habitantes: 3,4 em Portugal e 3.0 média da OCDE;
    Nº de consultas médicas per capita: 3,9 em Portugal e 6,8 média da OCDE;
    Nº de consultas médicas por médico 1163 em Portugal e 2511 média da OCDE;
    % de habitantes que se sentem com boa saúde: 39% em Portugal e 69% media da OCDE;

    O que podem concluir? – Que Portugal tem uma despesa per capita inferior á média da OCDE, que o número de médicos está nos valores médios, que em Portugal esses mesmos fazem muito menos consultas que na média da OCDE e que a percentagem de habitantes que se sentem com boa saúde está muito longe da média da OCDE.

    Mas, qual é a magia? Porque é que em Portugal só 39% das pessoas, em 2005, se sentiam com boa saúde?

    Será porque em 2005:
    Os médicos deviam fazer mais consultas e que,
    O Nº de enfermeiros por 1000 habitantes era de 4,6 em Portugal e 8.9 média da OCDE!!!

    Isso mesmo, Portugal tinha quase menos de metade dos enfermeiros daquilo que representa a média da OCDE.
    E de 2005 até 2008 se pusermos os olhos no nosso Hospital, considerando-o como uma amostra deste nosso Portugal, qual foi o crescimento em termos de enfermeiros para satisfazer as necessidades dos 60% de pessoas que não se devem sentir com boa saúde?
    Eu não sei, mas consigo imaginar, porque sinto na pele os cuidados de enfermagem que não posso oferecer aos doentes que deles necessitam.
    Ah! Mas ainda há na nossa casa muitas pessoas que não pensam assim, pois, mais enfermeiros porquê e pra quê?

    Words, only Words,

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  3. Melga,
    Assim se percebe porque é que fazias cá falta! Não conhecia estes dados.. trabalho exelente.

    Quanto ao Xuxé, acho que ele não questiona o que é que os enfermeiros compreendem dos pacientes em tom negativista.. mas realmente deixa uma dúvida no ar. Pode ser que cá volte

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  4. Parabéns caro Melga...
    De facto tinha saudades tuas e n me enganei quando disse q eras alguém q se preocupa com enfermagem e q possuis bastantes conhecimentos...
    Em relação em termos de numeros de enfermeiros nao sei, o que sei é que desde a "equipa móvel" nunca mais foi admitido nenhum enfermeiro no hospital... e sim, tal como tu sinto-o na pele...
    Abraços

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