quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Injustiça Racial (uma questão de rácios)


A gestão de recursos humanos é provavelmente a pasta mais complexa numa administração hospitalar. Definir os rácios ideais para uma Unidade, mobilizar e integrar trabalhadores aos quais lhes foram atribuídos "serviços moderados", são alguns exemplos que comprovam essa complexidade.

No meu hospital (e em qualquer hospital) poucas são as Unidades que requerem "serviços moderados" e muitos são os trabalhadores com "serviços moderados".
Ora, isto é um problema grave, que causa sérios desequilíbrios na "produção" hospitalar e que conduz aquilo que eu denominarei de Injustiça "racial". Não se refere a raças ou racismo, mas sim a rácios!
Injustiça "racial" para mim é encontrar, por exemplo, Unidades com mais de 30 doentes internados, muitos deles totalmente dependentes, para 2 enfermeiros e 1 assistente operacional e no lado oposto, Unidades de consulta (maioritariamente) médica, com 3 enfermeiros e 2 assistentes operacionais. Estará tudo invertido?!

As primeiras, como disse, têm internados vários doentes acamados, com necessidade de uma multiplicidade de cuidados e como este blog não pretende ser apenas para profissionais, passo a enumerá-los de uma forma básica e fria:
posicionamentos na cama para evitar escaras;
levantes da cama e mobilização, para evitar atrofia muscular e monotonia p.e, para o doente;
massagem corporal;
administração de medicação; soros e sangue, entre outros
avaliação de sinais vitais;
pensos simples e complexos, como por exemplo a escaras profundas;
cuidados de higiene (total ou parcial por rotina ou as vezes que forem necessárias) e conforto a doentes totalmente dependentes, assim como ajudar/supervisionar os mesmos cuidados a doentes com alguma autonomia;
alimentar doentes dependentes via oral ou via sonda;
cuidados a traqueostomias, colostomias, etc
quando necessário, algaliar, colocar sondas no tubo digestivo, sondas rectais, cateteres nas veias, aspirar secreções através de uma sonda e aspirador respiratório;
colher sangue para análises;
reanimar doentes que entram em colapso cardiaco e/ou param de respirar;
registar num computador tudo isto e muito mais;
fazer trabalho administrativo, como por exemplo organizar papeladas e atender telefones, entre outros;
fazer a admissão de doentes (questionário/avaliação de vários parâmetros);
fazer ensinos aos doentes e família, preparação para alta;
colaborar em técnicas médicas específicas;
transferir (acompanhar) doentes interna e externamente e at last but not at least;
ouvir o doente, dialogar com o doente e dar-lhe a mão quando ele(a) assim precisar/quiser, coisas que alguns acharão básicas mas imprescindíveis, que aprendemos ao longo da nossa vida, académica ou não, que aprendemos nos congressos de Ética, Cuidados Paliativos, Dor, etc e que no final todos batem palmas (gestores, administradores e porventura ministros incluídos) e chegam à conclusão que não se faz mais porque não há tempo, nem pessoal, enfim... outros assuntos.
Todo este trabalho (e mais algum que decerto esqueci) é efectuado pelos enfermeiros (dois), com a colaboração sintonizada de assistentes operacionais (um) que, para além disso, têm sob a sua responsabilidade funções de mensagueiro, limpeza de instalações e dispositivos, etc. Isto tudo para um turno de 8 horas.

As segundas (para quem já perdeu o fio à meada, é favor ver o final do penúltimo parágrafo), são Unidades de consulta, onde o trabalho de enfermagem e de assistentes operacionais, é importante mas periférico, ou seja, o que conta efectivamente ali são os actos médicos, que obviamente precisam do apoio do enfermeiro e assistente operacional, mas não passa disso... apoio e pouco mais. E que me desculpem os mais sensíveis, mas é a percepção que tenho.

Nas primeiras vemos enfermeiros stressados, num correrio para tentar cumprir em benefício do doente, enfermeiros que muitas vezes passam e atrasam as suas próprias refeições e saem em desgaste das Unidades para casa, passado meia ou uma hora da hora que deveriam sair e vemos enfermeiros irritados com as condições de trabalho e que aderem em bloco às greves.

Nas segundas vemos enfermeiros relaxados, várias vezes sentados, aparentemente com um volume de trabalho perto do moderado e que raramente ou nunca fazem greve, porque irritação e indignação no trabalho é coisa que não lhes assiste. Ainda bem que assim é e que assim seja, pois não desejo isso a ninguém.
Não me oponho a que estes colegas estejam sentados, relaxados, até nem me oponho aos rácios que têm. Oponho-me sim é aos rácios das primeiras.

Infelizmente há alguns exemplos de injustiça "racial" nos hospitais. Um que considero demasiadamente grave é no meu contexto profissional e que talvez já tenha sido aqui abordado várias vezes: número reduzidíssimo de assistentes operacionais (vulgarmente designados auxiliares e maqueiros) que desempenham um vasto leque de tarefas, que não é necessário estar a enumerá-las e o que acontece diariamente é ter que procurar e esperar por um assistente operacional, porque efectivamente eles estão sobrecarregados e não se conseguem multiplicar para responder ao volume de trabalho que este contexto (Urgência/Emergência) requer. Por outro lado, vou a um Serviço de Obstetricia, onde encontro sempre várias assistentes operacionais em.... digamos, stand by.
Para reflectir...
Abraço!