terça-feira, 23 de junho de 2009

O ciclo vicioso


Ainda não tinha feito o meu dever como enfermeiro, colega e blogista - divulgar esta grandiosa petição, (é que às vezes gosto de fazer umas pausas introspectivas).
Duvido que ainda haja alguém que desconheça a Petição das Petições, a Nº 1 e que chega mesmo a ultrapassar a da conhecida menina russa, mas poderá haver um ou outro mais distraído, por isso, se achas que este governo desrespeita os enfermeiros, visita e assina Petição - Todos pela carreira de Enfermagem, se achas que gostas de ser explorado, então não assines.
A ideia foi brilhante, a abrangência está a ser fantástica (últimos dados com 7115 signatários), quanto às repercussões falarei adiante. Na minha opinião, no seu texto de intervenção, há ali apenas um parágrafozito (o antepenúltimo) que não foi muito feliz, acho que está um pouco confuso, a rasar a ameaça, mas também são pormenores.
Confesso que estou um pouco saturado e pessimista, este longo processo tem sido mais troca, menos troca, da seguinte forma:
... Adiamento, adiamento, reunião, retrocesso, impasse, manifestação, adiamento, reunião, avanço, retrocesso, reunião, impasse, adiamento, reunião, impasse, greve, avanço, retrocesso, manifestação, impasse, adiamento, adiamento, reunião, impasse, impasse, greve, retrocesso e depois aconteceu algo fora do normal, que foi um... adiamento, seguido de manifestação, reunião, impasse, avanço, reunião, retrocesso, impasse, manifestação, impasse, reunião, impasse, reunião, greve, e depois se não me falha a memória, acho que houve um impasse, que me corrijam se estiver enganado, a seguir uma manifestação, greve, reunião, reunião, impasse, impasse e... Ah! Foi um impasse, seguido de adiamento, reunião, greve, greve, avanço, avanço (Ui! 2 avanços seguidos!) Retrocesso, retrocesso (bem me parecia...) e depois ou houve uma greve, ou uma reunião, é que já estou um pouco baralhado. Neste momento estamos a atravessar um impasse, aproximando-se uma reunião ou adiamento, ainda não se sabe.
Agora abro aqui um espaço de debate ou reflexão, como quiserem. Depois de tudo isto, quais são as tuas expectativas? Depois de todos os esforços, uns bem, outros menos bem conseguidos, será que vamos cair novamente no buraco da indiferença? Será que a petição vai funcionar? Será que estamos próximos de um final feliz, ou infeliz?
Para terminar, deixo-vos com a não menos importante petição sobre o problema que se passa em Ponte de Lima, visitem e assinem, se assim o acharem, fica aqui o link Hospital Conde Bertiandos, garanto-vos que os motivos são muito legítimos, e tal como na outra fazem a subscrição em 1 minuto.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Musicoterapia



Nina Simone - Ain’t Got No… I Got Life

Ain’t got no home, ain’t got no shoesAin’t got no money, ain’t got no classAin’t got no skirts, ain’t got no sweatersAin’t got no faith, ain’t got no beardAin’t got no mind
Ain’t got no mother, ain’t got no cultureAin’t got no friends, ain’t got no schoolingAin’t got no name, ain’t got no loveAin’t got no ticket, ain’t got no tokenAin’t got no God
What have I got?Why am I alive anyway?Yeah, what have I got?Nobody can take away
I got my hair, I got my headI got my brains, I got my earsI got my eyes, I got my noseI got my mouth, I got my smile
I got my tongue, I got my chinI got my neck, I got my boobsI got my heart, I got my soulI got my back, I got my sex
I got my arms, I got my handsI got my fingers, Got my legsI got my feet, I got my toesI got my liver, Got my blood
I’ve got life, I’ve got my freedomI’ve got the life
I got a headache, and toothache,And bad times too like you,I got my hair, I got my headI got my brains, I got my earsI got my eyes, I got my noseI got my mouth, I got my smile
I got my tongue, I got my chinI got my neck, I got my boobiesI got my heart, I got my soulI got my back, I got my sex
I got my arms, I got my handsI got my fingers, Got my legsI got my feet, I got my toesI got my liver, Got my blood
I’ve got life, I’ve got my freedomI’ve got life, I’m gonna keep itI’ve got life, I’m gonna keep it

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Um dia na vida de um Enfermeiro da Admissão - Último episódio


Cenas do último capítulo,
(...) Tenho que render novamente a colega da Triagem que fica radiante por me ver. Começo a triar,
Episódio IV
Utente ySr Enfermeiro, desde a semana passada, enquanto estava a ver o festival Eurovisão da canção, que tenho um formigueiro neste braço e uma pontada nas costas…
Seguro a gargalhada, a Triagem às vezes também nos proporciona momentos deliciosos. À sexta triagem entra a vmer repentina para a sala de emergência, soa o alarme estridente, dirijo-me à sala e levo já na mão uma pulseira vermelha. Devido a esta hora crítica do jantar, apenas um colega se encontrava na sala, juntamente com a equipa do carro amarelo. Passados segundos tinham chegado os médicos. Senti-me no dever de ficar a ajudar, afinal de contas enfermeiros de urgência são para estas situações. Tratava-se de uma senhora de 80 anos, que de repente, em casa, tinha-se lembrado de deixar de respirar. Durante 20 minutos tentamos reverter o inevitável, o desfecho não tinha sido favorável. Volto à triagem, 20 minutos ausente, 20 utentes em espera.
E.ABoa noite! Então que se passa?
Utente XDoí-me a barriga.
E.ADesde quando?
Utente XDesde ontem, mas hoje já estou melhor.
ENTÃO QUE RAIO ESTÁ CÁ A FAZER??! Imaginei dizer. Aquele principio de que, quando temos uma dor, tentámos resolver em casa, se melhorarmos, tanto melhor, se as coisas piorarem é que começamos a pensar em ir ao médico, a esta (e a outras) pessoa(s) não se aplicava, ou melhor, aplicava-se ao inverso.
Mais umas queixas e regressa a colega da Triagem, não lhe deixo um panorâma muito agradável, explico que aconteceu algo (im)previsto. Preparo-me para o último sprint, 3 internamentos em espera, 2 folhas de terapêutica de doentes que iam ficar em OBS…Macas, ou seja, um “OBS” onde se encostam os doentes em maca a uma parede, que muitas vezes parecia interminável. A cada um destes é atribuída uma letra, seguindo o abecedário, já ia na H. Era comum a competição para ver quem tinha tido mais macas, havia uns tantos enfermeiros que já se gabavam, por ironia, de ter chegado a ter a Maca B’, ou seja, tinham dado a volta ao alfabeto.
Um dos internamentos tinha ficado esquecido na secretária dos cirurgiões somente há 5 horas. Bem achava estranho aquele doente que se encontrava na Twilight Zone, nem num lado, nem no outro, mas também, mea culpa talvez, não me tinha dado ao trabalho de ir ver o que é que se passava com ele, talvez por permanecer calmo, indiferente à confusão em seu redor, talvez fosse daquele tipo de doentes tão crivado de hospitais, que se tornara imune à impaciência da espera. Tratava-se de um doente reencaminhado do Hospital de S. João, nem se justificava por ali passar, nada foi feito por enfermagem, apenas uma nota de circunstância.
Seria uma sorte, com a quantidade de exames em espera, conseguir um maqueiro para levar pelo menos um internamento antes das 23h, hora de passagem de turno. O meu colega continuava tarefeiro, no trinómio análises/soro/medicação, ao mesmo tempo que barafustava com a lentidão dos computadores. Com a impaciência, clicava sucessivamente até que davam o tilt. Esta Admissão mais parecia uma mini-central de computadores arcaicos que bloqueavam sistematicamente devido ao uso ininterrupto, o ruído que emitiam era oco e desgastante. O sistema Alert (programa criado para coordenar todos os procedimentos num SU) anda a 100 rotações por minutos, os enfermeiros da Admissão andam a 200, claro que dariam o pifo.
E.AEntão leva-me este internamento, se faz favor? Está prontinho!
Maqueiro 2Está bem. Onde está o processo?
Uii, estarei a ouvir mal?! Entrego-lhe o processo surpreendido e digo adeus e as melhoras ao senhor que estava esquecido. E assim terminava o tempo dos internamentos, senão ouvíamos das boas dos colegas lá de cima. Pego numa das folhas de terapêutica, escolho a de baixo, provavelmente a primeira a ser deixada na banca. Um senhor que tinha tido um pós-operatório complicado, tinha estado nos Intensivos e depois terá tido uma alta precoce. Continuava a perder sangue sabe-se lá por onde. Onde iria ficar? “OBS” Macas.
Tentámos numa última arfada, deixar o painel menos cintilante. Conseguimos finalmente atingir a meta, desta feita seria um atraso de 20 minutos. Nada mau…
Chega o colega da noite para receber o turno.
E a história termina da mesma forma que tinha começado,
E.AComo é tão bom ver-te! Deixa-me passar o turno que já estou saturado.
Casa, banho, cama… para a minha princesa.
Princesa - Então amor trabalhaste muito?!
E.A - Trabalhei…
Princesa - Também respondes sempre o mesmo, e adormece no meu peito.
FIM
Retiro-me com a escolha do Dj, espero que gostem,

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Um dia na vida de um Enfermeiro da Admissão - Episódio III


Cenas do último Capítulo,
(...) Vejo o Colega de turno com cara de poucos amigos
E.A - Então que se passa?
Episódio III
Colega de turnoAli a tua amiga (médico 1), entrou aí a mandar vir por o doente do AVC ainda ai estar.
Respiro fundo e relembro os ensinamentos do yoga, utilizar as energias negativas, convertendo-as em positivas.
E.ADeixa lá isso, eu vejo a doente, continua tu no painel.
Doente 1Sr. Enfermeiro já chegaram as minhas análises?
E.AIsso é com o médico, respondo áspero.
Volto ao AVC, planeio ver temperatura, tensões e glicemia capilar, só encontro o termómetro, mais uma volta ao serviço para encontrar o aparelho para ver tensões e a maquineta para a picada no dedo, resultado 5 minutos perdidos. Mais 5 a corrigir as alterações, febre, hipertensão e hiperglicemia, ou seja tudo. Deixo a senhora pronta para o internamento, mais uma volta para encontrar maqueiro, desta vez com sucesso.
E.ASr. Maqueiro leve-me aquela senhora ao internamento.
Maqueiro 3Não posso, estou nas fichas.
E.APode, pode, eu falo com o enfermeiro das fichas.
E lá vai ele contrariado, remoendo umas palavras pouco agradáveis. É por isso que nunca se deve dizer “Não posso”, poder, podemos sempre, agora, “Não devo” é mais correcto, de facto não deve, mas pode. Tal como há falta de enfermeiros, também faltam maqueiros, já para não falar de auxiliares. Muitos são aqueles que dizem,
“Seria bom que aqueles que mandam, estivessem cá neste dias, talvez colocassem mais pessoal”.
Pois é caro cidadão (e esta é para ti Ângelo Miguel!) o enfermeiro não se queixa exclusivamente por ser mal pago, queixa-se, entre inúmeros aspectos, das más condições de trabalho, muito devido à falta de pessoal e que têm implicações directas no seu atendimento. Avaliem bem, Senhores gestores, os sítios onde não se faz nenhum – onde o pessoal poderia ser reduzido e transferido para onde efectivamente se faz. Bom… isto era um pequeno desabafo, já me estava a perder… voltando à série,
Nem tudo era mau na Admissão, este era o momento em que efectivamente estavam dois enfermeiros, onde se conseguia ter um pouco mais de controle da situação.
Colega de turno - Só análises, só análises!... A todos os doentes pedem análises.
E.AÉ mesmo! É impressionante!
Qualquer utente que queira uma análise de rotina, basta ir ao Serviço de Urgência e dizer que sente… qualquer coisa, é garantido que faça umas análises ao sangue, até mesmo que diga que sente que o futuro dos portugueses vai melhorar! Bom… aí é mesmo melhor pedir umas análises, pesquisa a opiáceos..
Várias são as vezes em que vejo esta urgência como um laboratório de análises. Por falar nisso, colho sangue a mais dois utentes, é melhor deixar um cateter, o mais provável é daqui a pouco estarem a pedir medicação.
Já não há macas para deitar doentes, nem muito menos cadeiras. Uma equipa de bombeiros espera há largos minutos, à entrada do corredor, uma vaga para deixar um doente. Mais duas corporações estão lá fora, se esses doentes precisarem de maca, vai haver engarrafamento, ou melhor, já há.
E.ASr. Amílcar, não se importa de levantar um pouco, para sentar esta senhora, para fazer umas análises? O Sr Amílcar era um velhote todo janota, marido da Dona Zulmira, tinham vindo à urgência por razões pouco específicas.
Sr. AmílcarCom certeza, com certeza, Sr. Enfermeiro .
Finalmente subia para o internamento a senhora do lenço na cabeça, não sei se recordam, pelo menos era paciente. Volto-me para um doente que estava sob a responsabilidade de Neurologia, estava suado, com o pulso oscilante. Reúno o material, abro o armário, já não havia o soro pretendido, mais uma volta ao outro extremo para buscar. Tenho que falar com o médico sobre este doente. Onde está?! Não está… Neurologia tinha saído às 20h. Vou ter com o médico de Medicina interna.
E.ADoutor, está ali um doente de Neurologia que está mal.
Médico 3 – NÃO QUERO SABER! SE É DE NEUROLOGIA! Responde, mais uma vez aos berros, como se eu fosse o culpado.
E.A – Pois, mas Neurologia não está.. Só lhe estou a comunicar, faça o que entender.
Médico 3 – ISTO É INSUPORTÁVEL, AMANHÃ VOU FALAR COM O DIRECTOR CLÍNICO! Desabafa, um pouco menos irritado.
E.AMeta-lhe uma cunha para ver se metem mais enfermeiros, acrescento, a tentar descongestionar o ambiente.
E lá foi ele, a ferver, ver o doente…
Aproximava-se a hora do jantar e com ela o tormento da colega de Pediatria que teria que se tornar omnipresente, estando em dois sítios ao mesmo tempo – Pediatria e Admissão. Em dias de caos, dificilmente alguma área escapava, como é habitual Pediatria estava recheada, para passar por lá era preciso fazer uma gincana. Encontro a colega no meio de uma miscelânea de brufens, brinquedos, sondas, pais, seringas, tabuleiros, biberons, desenhos, enfim numa encruzilhada. Digo-lhe com lamento,
E.ATemos que dividir para ir jantar…
Colega da PediatriaPodem ir, é certo que não vá lá, isto está impossível.
Volto costas e com o colega da Admissão, tentamos limpar um pouco mais o painel, ao fim de 5 minutos percebemos que era impossível, tínhamos que ir, continuavam a chover pedidos.
Fomos jantar, desta vez não numa hora, mas em meia. O tema de conversa eram as aventuras e dissabores durante este e outros turnos, o costume, conversa de enfermeiro.
Voltamos ao Vietname, país muitas vezes designado em tempos de crise. Passo uma olhadela pelo painel, atraso superior a uma hora, 3 painéis repletos de pedidos, podia ser pior, naturalmente a colega de Pediatria mal tinha conseguido vir à Admissão, ou seja, 37 doentes tinham sido vigiados por uma equipa de… fantasmas. Tenho que render novamente a colega da Triagem que fica radiante por me ver. Começo a triar,
Final do episódio III