segunda-feira, 1 de junho de 2009

Um dia na vida de um Enfermeiro da Admissão - Episódio III


Cenas do último Capítulo,
(...) Vejo o Colega de turno com cara de poucos amigos
E.A - Então que se passa?
Episódio III
Colega de turnoAli a tua amiga (médico 1), entrou aí a mandar vir por o doente do AVC ainda ai estar.
Respiro fundo e relembro os ensinamentos do yoga, utilizar as energias negativas, convertendo-as em positivas.
E.ADeixa lá isso, eu vejo a doente, continua tu no painel.
Doente 1Sr. Enfermeiro já chegaram as minhas análises?
E.AIsso é com o médico, respondo áspero.
Volto ao AVC, planeio ver temperatura, tensões e glicemia capilar, só encontro o termómetro, mais uma volta ao serviço para encontrar o aparelho para ver tensões e a maquineta para a picada no dedo, resultado 5 minutos perdidos. Mais 5 a corrigir as alterações, febre, hipertensão e hiperglicemia, ou seja tudo. Deixo a senhora pronta para o internamento, mais uma volta para encontrar maqueiro, desta vez com sucesso.
E.ASr. Maqueiro leve-me aquela senhora ao internamento.
Maqueiro 3Não posso, estou nas fichas.
E.APode, pode, eu falo com o enfermeiro das fichas.
E lá vai ele contrariado, remoendo umas palavras pouco agradáveis. É por isso que nunca se deve dizer “Não posso”, poder, podemos sempre, agora, “Não devo” é mais correcto, de facto não deve, mas pode. Tal como há falta de enfermeiros, também faltam maqueiros, já para não falar de auxiliares. Muitos são aqueles que dizem,
“Seria bom que aqueles que mandam, estivessem cá neste dias, talvez colocassem mais pessoal”.
Pois é caro cidadão (e esta é para ti Ângelo Miguel!) o enfermeiro não se queixa exclusivamente por ser mal pago, queixa-se, entre inúmeros aspectos, das más condições de trabalho, muito devido à falta de pessoal e que têm implicações directas no seu atendimento. Avaliem bem, Senhores gestores, os sítios onde não se faz nenhum – onde o pessoal poderia ser reduzido e transferido para onde efectivamente se faz. Bom… isto era um pequeno desabafo, já me estava a perder… voltando à série,
Nem tudo era mau na Admissão, este era o momento em que efectivamente estavam dois enfermeiros, onde se conseguia ter um pouco mais de controle da situação.
Colega de turno - Só análises, só análises!... A todos os doentes pedem análises.
E.AÉ mesmo! É impressionante!
Qualquer utente que queira uma análise de rotina, basta ir ao Serviço de Urgência e dizer que sente… qualquer coisa, é garantido que faça umas análises ao sangue, até mesmo que diga que sente que o futuro dos portugueses vai melhorar! Bom… aí é mesmo melhor pedir umas análises, pesquisa a opiáceos..
Várias são as vezes em que vejo esta urgência como um laboratório de análises. Por falar nisso, colho sangue a mais dois utentes, é melhor deixar um cateter, o mais provável é daqui a pouco estarem a pedir medicação.
Já não há macas para deitar doentes, nem muito menos cadeiras. Uma equipa de bombeiros espera há largos minutos, à entrada do corredor, uma vaga para deixar um doente. Mais duas corporações estão lá fora, se esses doentes precisarem de maca, vai haver engarrafamento, ou melhor, já há.
E.ASr. Amílcar, não se importa de levantar um pouco, para sentar esta senhora, para fazer umas análises? O Sr Amílcar era um velhote todo janota, marido da Dona Zulmira, tinham vindo à urgência por razões pouco específicas.
Sr. AmílcarCom certeza, com certeza, Sr. Enfermeiro .
Finalmente subia para o internamento a senhora do lenço na cabeça, não sei se recordam, pelo menos era paciente. Volto-me para um doente que estava sob a responsabilidade de Neurologia, estava suado, com o pulso oscilante. Reúno o material, abro o armário, já não havia o soro pretendido, mais uma volta ao outro extremo para buscar. Tenho que falar com o médico sobre este doente. Onde está?! Não está… Neurologia tinha saído às 20h. Vou ter com o médico de Medicina interna.
E.ADoutor, está ali um doente de Neurologia que está mal.
Médico 3 – NÃO QUERO SABER! SE É DE NEUROLOGIA! Responde, mais uma vez aos berros, como se eu fosse o culpado.
E.A – Pois, mas Neurologia não está.. Só lhe estou a comunicar, faça o que entender.
Médico 3 – ISTO É INSUPORTÁVEL, AMANHÃ VOU FALAR COM O DIRECTOR CLÍNICO! Desabafa, um pouco menos irritado.
E.AMeta-lhe uma cunha para ver se metem mais enfermeiros, acrescento, a tentar descongestionar o ambiente.
E lá foi ele, a ferver, ver o doente…
Aproximava-se a hora do jantar e com ela o tormento da colega de Pediatria que teria que se tornar omnipresente, estando em dois sítios ao mesmo tempo – Pediatria e Admissão. Em dias de caos, dificilmente alguma área escapava, como é habitual Pediatria estava recheada, para passar por lá era preciso fazer uma gincana. Encontro a colega no meio de uma miscelânea de brufens, brinquedos, sondas, pais, seringas, tabuleiros, biberons, desenhos, enfim numa encruzilhada. Digo-lhe com lamento,
E.ATemos que dividir para ir jantar…
Colega da PediatriaPodem ir, é certo que não vá lá, isto está impossível.
Volto costas e com o colega da Admissão, tentamos limpar um pouco mais o painel, ao fim de 5 minutos percebemos que era impossível, tínhamos que ir, continuavam a chover pedidos.
Fomos jantar, desta vez não numa hora, mas em meia. O tema de conversa eram as aventuras e dissabores durante este e outros turnos, o costume, conversa de enfermeiro.
Voltamos ao Vietname, país muitas vezes designado em tempos de crise. Passo uma olhadela pelo painel, atraso superior a uma hora, 3 painéis repletos de pedidos, podia ser pior, naturalmente a colega de Pediatria mal tinha conseguido vir à Admissão, ou seja, 37 doentes tinham sido vigiados por uma equipa de… fantasmas. Tenho que render novamente a colega da Triagem que fica radiante por me ver. Começo a triar,
Final do episódio III

7 comentários:

  1. Uma das coisas tristes ao ler estes episódios é que se constata que o enf Guilherme passa "horas" à procura do material que nunca está onde deveria, faltando sistemas de soros, soros, cateteres...
    Não conheço o hospital em questão, mas comprova-se uma muito má gestão!...

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  2. Uma coisa triste que constato ao ler estes episódios é que o enf Guilherme passa "horas" preciosas à procura de material. Faltam soros, sistemas, cateteres...
    Não conheço o hospital em questão, mas lamento a má gestão!

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  3. Só me urge dizer uma coisa...

    What the fu.. is this?

    Deus me livre! Se quando começar a trabalhar, estiver sujeita a este ambiente, dou em doida e vou para a reforma antecipada em três tempos :)

    Boa sorte para os próximos takes! O que te vale, é o yoga e a paciência :p

    :)*

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  4. Há que convidar a Direcção de Enfermagem a vir trabalhar, para se aperceberem das realidades particulares de cada serviço. Não chega fazer turnos apenas nos gabinetes e visitar ocasionalmente os serviços (apenas quando estes estão mais leves), elegando que são situações pontuais quando estão a abarrotar. São situações pontuais os turnos em que estão leves, Isso são pontuais....

    Greve de zelo! Cada vez fico mais convencido que é a melhor forma de provar que é necessário mais gente para fazer cuidados de enfermagem com qualidade!

    Havia que insistir para que a Direcção clinica, frequentasse os serviços carentes e que os Mostrar-lhes que os numeros são pessoas!

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  5. De facto João A. esse é um dos grandes problemas, todos os colegas se queixam, acho que deveria ser uma prioridade dos gestores, mas há sempre poucas soluções, mas acredita que é tal e qual como está descrito.
    Caro Shadow, essa seria uma ideia inovadora, pode ser que um dia tenhamos os nossos superiores a aperceberem-se das dificuldades in loco e não sentados num gabinete
    Cara Deep Girl, nem tudo é uma encruzilhada, coragem.
    Brevemente saira o ultimo capitulo, espero-vos por cá!

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  6. O que é que esta equipa já fez para dar a conhecer esta realidade de falta de enfermeiros? E de AAM? Se houvesse um transporte suficiente dos doentes para os outros serviços não havia tanta acumulação. Somos obrigados a desencadear o processo de alteração de condições de trabalho, quando estas colocam em causa os cuidados aos utentes. Pode estar engraçado como ensaio de estilo narrativo, mas se é mesmo assim estes colegas têm muita responsabilidade do estado de coisas. Não precisamos de enfermeiros que se lamentem das suas desgraças, mas sim que queixem a quem devem e actuar em conformidade.

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  7. Não se trata de lamentos de desgaças, são descrições da realidade. Os enf. desta equipa já fizeram muito e continuam a fazer para tentar mudar o rumo da situação. Provavelmente poderiamos pressionar mais. Mas a maioria da equipa já esta saturada de tentar mudar, mas as decisoes partem de quem não está lá, no serviço, partem de cima. Nem o proprio director de serviço, que sabe que a falta de pessoal é um problema, parece ter poder de decisao nesta materia.

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