sexta-feira, 24 de março de 2017

Opiniões XII: "Cancro com Humor" - Um movimento de exelência


Olá, Olá! Antes de mais devo pedir desculpa a algumas pessoas que fizeram comentários cá no blog e que não apareceram publicados. Sem eu perceber a razão, esses comentários iam diretamente para Spam, mas agora penso que o problema está resolvido.

Regresso ao espaço reservado para outros autores. Coisas que vou encontrando na net, ou que me chegam através de comentários e que eu considero dignas de registo no PDDSE. Já vamos no 12º post nesse âmbito.
Desta vez não se trata tanto de uma opinião, será mais um desabafo de alguém que criou um projecto/movimento intitulado Cancro com humor e que está a ter enorme sucesso e ainda bem, porque a ideia é divinal. A autora, Marine Antunes, é uma jovem que passou por momentos muitos delicados no que à saúde diz respeito e proporciona-nos no seu blog e FB belas reflexões da sua vida enquanto utente dos serviços de saúde, provando que com humor e alto astral é mais fácil lidar com a doença. Mostra-nos o outro lado, o lado do doente e pelo menos neste artigo, toca-nos (e bem) na ferida. Só por isso achei que faria todo o sentido ampliar um pouco mais as visualizações, para que principalmente nós, enfermeiros conhecêssemos esta perspectiva.
Depois do seu desabafo, apareceram alguns iluminados a criticar. Parece-me que enfiaram bem o barrete. Por isso acho que a sua resposta a essas pessoas que não sabem lidar com críticas, seria também de importante leitura e aparece num segundo texto. 
Beijos e abraços. G.


APELO,
Queridas enfermeiras, por amor de Deus, DEIXEM-ME DORMIR:
Juro que se há profissão que admiro é a vossa. Tenho muitos amigos enfermeiros e uma ótima relação convosco. Defendo mesmo que a vossa profissão é das mais nobres que conheço e acho que o vosso esforço não é valorizado. Pergunto-me muitas vezes, como conseguem manter-se de pé tantas horas e de forma tão disponível.
Em relação às enfermeiras e enfermeiros daqui do Santa Maria mantenho essa opinião. A maioria de vós tem um trato e uma simpatia louvável. Não tenho nada a dizer em relação a isso. São todos muito simpáticos comigo mas preciso de vos falar de uma coisa muito importante - do silêncio que não fazem.
Até à meia-noite é um festival. Juro-vos que adoro festivais mas em Março está mau tempo e não me apetece. Preferia dormir. Elas são gargalhadas estridentes, discussões imensas (a sério, muitas delas davam um perfeito guião de uma novela manhosa), são gritos e chamamentos tirados de um sketch: "OH ELSAAAA! Traz-me uma almofada!!!!!!!!', são portas a bater, são um sem fim de coisas que estão a conseguir uma proeza:
endoidecer-me.
Passa a meia-noite. Já estou num stress sem fim. A coisa acalma, há a mudança de turno e ficam poucos de vocês. Mas depois são as luzes ligadas e os barulhos típicos do hospital que não me deixam dormir (Tentei usar tampões, um amigo bondoso ofereceu-me ontem. Adivinhem. Não funcionam! ) e ninguém tem culpa, faz parte, entendo isso.
Mas o que não faz parte é esquecerem-se onde estão. Esquecem-se que estamos quatro doentes numa maca alapados no corredor e que precisamos de dormir.
4, 5, 6 da manhã e eu já chorava de desespero. Perguntam-me se me dói a cabeça. Juro que não sei avaliar se me dói a cabeça por conta da porra da inflamação ou do vosso extremo barulho. Só sei que preciso de dormir. E porquê?
Porque estou no corredor e assisto a tudo. Por exemplo, à vossa agitação anormal desta noite e aos comentários que fazem porque a senhora do quarto perto da minha maca, morreu. E vejo o senhor a trazer a maca, a levar o corpo e eu que não queria ter assistido a isto. Queria ter estado a dormir para não assistir a isto.
Deixem-me dormir. Não é mau feitio. É sono.



Bom dia! Ainda sem resposta nem alta. Enquanto aguardo, gostaria de partilhar convosco algo que tem mexido comigo.
Depois de ter escrito o post sobre o barulho dos corredores (post escrito com argumentos e que resultou da minha própria vivência), surgiu uma discussão no facebook. A meu ver, uma discussão positiva. Fiquei verdadeiramente feliz por perceber que estava, de alguma forma, a promover o debate. Ouvi tantos comentários interessantes, tantos testemunhos de doentes e enfermeiros que concordando ou discordando comigo, deram a sua válida e importante opinião.
Eis o que me entristece: que algumas pessoas escolham ficar enfurecidas comigo, dizendo que "é uma vergonha ter atacado os enfermeiros", que "não deveria ter falado do barulho mas sim do excesso de macas no corredor", etc etc ( e tantas outras coisas bonitas), ao invés de perceberem que se ninguém falar, que se for tabu, nada melhora. Foi exatamente por isso que criei este projeto. Porque não suporto que não se possa dizer as coisas como elas são.
Primeiro: Eu nunca ataquei ninguém. Nunca. Comecei, aliás, por elogiar o trabalho dos enfermeiros que admiro. Meus caros. Os meus pais também me criticam e gostam de mim na mesma. Uma crítica a algo que aconteceu e acontece SIM não deveria ser uma afronta. Deveria ser um mote de reflexão. E enquanto tiver cabeça para pensar (mesmo que inflamada), irei sempre dar a minha opinião. Sempre. Mesmo que isso cause tanto constrangimento. Se tivesse escrito um texto cujo título fosse " os enfermeiros têm asas", era uma heroína". Sendo assim, sou uma cretina.
Segundo: Eu não "deveria" nada. Isso não pode ser um argumento. Escrevo sobre o que me apetecer. Poderia ter-me apetecido escrever sobre a unha do meu pé esquerdo. Ou do excesso de camas. Mas apeteceu-me escrever sobre o barulho. Sobre ética. Porque foi isso que senti, porque foi isso que me melindrou. Claro que MUITO mais importante do que isto é o facto de existirem macas onde não deveriam estar. Mas isso não invalida que não possa falar sobre o barulho que também existe. Atacarem-me porque falei de "a" quando deveria ter falado de "b" é só estúpido. Não escrevo a pedido. Escrevo sobre o que sinto.
Terceiro e último : falar sobre as coisas é bom! Iniciar um tema importante é bom! Falar por aqueles que não podem e que não se conseguem exprimir é bom! Melhorar é bom! Olhar para o doente como pessoa é bom! Evoluir é bom!
Era tão bom que tivéssemos a capacidade de olhar para nós mesmos, vermos as nossas falhas e não detestarmos ninguém por isso. Só se cresce assim. Lamento se alguém se sentiu ofendido mas não retiro uma palavra do que disse. Do bom e do mau. E se há tanta polémica só porque exprimi a minha opinião, por escrito, só prova que há tanto a fazer.
Serei sempre a parva que não é indiferente ao mundo que a rodeia e escreverei sempre, até que me cortem os braços.
Marine.

2 comentários:

  1. Finalmente um doente que consegue expôr um fenómeno tao evidente, mas que ninguém expoe!!! É uma luta diária que tenho com a minha equipa: promover o silêncio e nao falar dos problemas nos quartos! O doente é o foco da nossa atençao, e nao o inverso. Que alguém escreva sobre o uso desmedido das sondas nasogástricas, ou melhor, sobre o direito do doente recusar!

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  2. Maravilhoso. É de louvar a atitude da "Marine". Tanto da exposição do que vivenciou, como do que sucedeu após a sua exposição! O pessoal tem que perceber que nem tudo são críticas. Deram-nos Cérebro para isso mesmo. Pensar! Reflectir!
    Silêncio no turno da noite é raro... Ela tem toda a razão.
    Há que mudar a nosSa forma de estar em serviço, em prol da execução de cuidados de excelência na nossa profissão!

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