quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Opiniões III - Evidências & lamentações


Na sequência do último post publicado pelo Robin dos Hospitais, surgiram vários comentários, dois deles foram-me enviados por email. Dada a sua pertinência, achei que seria do vosso interesse.
Caro Robin,
A criação dos hospitais EPE teve como objectivo reduzir os gastos mas em vez disso esses aumentam significativamente, basta ver o relatório respeitante aos custos da saúde em Portugal no que se refere aos EPE’s; PREJUÍZO. Mas pergunto? Onde se tem gasto tanto dinheiro? Será má gestão dos recursos materiais e humanos?
Tem sido hábito em todas as instituições EPE’S, e não só, manter o número de enfermeiros abaixo do nível seguro e necessário. Propala-se aos ventos a qualidade da prestação dos cuidados de saúde dos quais os de Enfermagem são essenciais, mas mantêm-se as equipas de Enfermagem no fio da navalha , sujeitando os Enfermeiros a horários e a condições de trabalho miseráveis e desumanas.
Não só desrespeitam o direito dos Enfermeiros com a Lei. E fazem-no impunemente por falta de denúncia a quem de direito. A Ordem e os sindicatos.
Muitos dirão: “A Ordem e os sindicatos não fazem nada!", mas se as denúncias não lhes chegarem por email ou telefone , nada poderá ser feito e o tango continuará.
Diz o Artigo 124º da Lei 59/2008 que a entidade empregadora pública “deve observar o princípio geral da adaptação do trabalho ao homem, (…) em função do tipo de actividade e das exigências em matéria de segurança e saúde, em especial no que se refere às pausas durante o tempo de trabalho.
Ora em cada turno os enfermeiros têm direito 15 minutos de pausa a meio da manhã ou da tarde e a 30 minutos para o almoço e jantar. (Pausas Obrigatórias)
Alimentar o corpo é uma das necessidades básicas do ser humano, por isso é inadmissível que os enfermeiros não tenham condições que permitam reconstruir essas necessidades. Os enfermeiros têm de começar a exigir os direitos e a não se deixarem atropelar por arbitrariedades . É nas cedências pontuais que fazemos hoje, amanhã e depois que se perdem as garantias e os direitos e se transformam as ilegalidades em norma. Enquanto nós Enfermeiros continuarmos a andar com "a língua de fora" para cumprirmos o plano de trabalho na totalidade , sem olharmos para nós, estaremos sujeitos a maior exigência e a mais arbitariedades.
Os critérios especiais da definição do horário de trabalho estão no Artigo 134º da mesma Lei , que diz o seguinte:
1 - Na definição do horário de trabalho, a entidade empregadora pública deve facilitar ao trabalhador a frequência de cursos escolares, em especial os de formação técnica ou profissional.
2 - Na definição do horário de trabalho são prioritárias as exigências de protecção da segurança e saúde dos trabalhadores.
3 - Havendo trabalhadores pertencentes ao mesmo agregado familiar, a fixação do horário de trabalho deve tomar sempre em conta esse facto.
São prioritárias as exigências de protecção da segurança e saúde dos trabalhadores. Aqui estão incluídos o tipo de horário , o tipo de exigência de cumprimento do plano de trabalho , o tipo de actividade e sua penosidade , os tempos para formação , as pausas obrigatórias (Artigo 136 e 137).
Um comentador focou as prioridades na prestação dos cuidados de Enfermagem , pode ser e é uma boa ideia , mas tal não basta , porque os enfermeiros acabam por correr para tudo fazerem.
No hospital de Guimarães a urgência entupiu porque só havia três médicos, mas logo passaram a cinco. Quantos enfermeiros a mais colocaram ? ZERO. Porque fazem "das tripas coração" para que tudo seja feito mesmo com prejuízo dos seus direitos mais elementares. É tempo de dizer BASTA.
Quanto às enfermeiras chefes, que dispensam enfermeiros de um qualquer turno que acabam por ficar com “ horas negativas”, mesmo contra a vontade destes, só posso dizer que tal comportamento é ilegal porque nenhum chefe tem poder para proceder à "suspensão do contrato de trabalho" ou para "redução do horário de trabalho" . E é nisso que se traduz o reenvio do enfermeiro para casa. Tal situação não se coloca se houver concordância do trabalhador. E para facultar mais esclarecimento refiro o Artigo 135º da lei 59/2008 que diz:
1 - Não podem ser unilateralmente alterados os horários individualmente acordados.
2 - Todas as alterações dos horários de trabalho devem ser fundamentadas e precedidas de consulta aos trabalhadores afectados, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão sindical ou intersindical ou aos delegados sindicais e ser afixadas no órgão ou serviço com antecedência de sete dias, ainda que vigore um regime de adaptabilidade.
Artigo 136.º
Intervalo de descanso
A jornada de trabalho diária deve ser interrompida por um intervalo de descanso, de duração não inferior a uma hora nem superior a duas, de modo que os trabalhadores não prestem mais de cinco horas de trabalho consecutivo.
Embora o intervalo de descanso esteja alterado para a jornada contínua, está previsto , no mínimo , o intervalo necessário para a alimentação .
Os Enfermeiros não podem fazer tudo , com prejuízo da sua saúde, já que esta é um dos bens de elevado valor para qualquer ser humano, e enfermeiro não está excluído desta condição de humanidade.
Ora será que o trabalho dos enfermeiros não pode ser interrompido para usufruírem do que a lei prevê ?
Não percam direitos Colegas . DENUNCIEM ILEGALIDADES mesmo que pareçam insignificantes . Não se auto-flagelem…
por Margarida Barros

O mal-estar que sentimos no dia-a-dia;
A total insatisfação com o nosso trabalho;
A terrível sensação de que algo ficou por fazer aos doentes;
A sensação de Impotência para responder às solicitações;
O sentimento de incapacidade para resolver os problemas e intervir para criar uma dinâmica de mudança…
Todos estes sentimentos têm origem no meio de nós!
Sem dúvida que os enfermeiros com funções de direcção (sejam eles chefes, supervisores ou directores) são o eixo e a origem da actual situação mas não podemos negligenciar os contributos diários de todos os outros enfermeiros (prestadores de cuidados de enfermagem) para o cimentar do edifício concebido e estruturado pelos primeiros.
Alguém comentava que enquanto um Director de Serviço (médico) ou um Director Clínico (médico) nunca imporá condições de trabalho para a classe médica abaixo de um determinado limite porque mais tarde ou mais cedo (quando deixar de ser director) irá trabalhar com e nas condições que criou. Ou melhor, ele já trabalha no dia-a-dia nas condições por si criadas (seja na urgência, na UCI, no BO, nos Intermédios, no Internamento, na Consulta, etc.).
Na enfermagem é o oposto. Seja ele Enfermeiro Director, seja Enfermeiro Chefe, seja Enfermeiro Supervisor, sabe que por mais que degrade as condições do exercício da profissão, por pior ambiente de trabalho que exista, por mais instabilidade individual ou colectiva (equipa) que exista, SABE QUE NUNCA IRÁ PRESTAR CUIDADOS NESSAS CONDIÇÕES, aturar doentes insatisfeitos, doentes em sofrimento e sem capacidade para responder às suas necessidades, familiares angustiados ou implicativos devido á incapacidade do enfermeiro em responder às suas solicitações. Graças a uma carreira que diferencia a gestão de cuidados da sua prestação e as torna estanquem uma da outra.
Contou num dia deste um médico que certo dia um director de serviço entra no gabinete da enfermeira chefe e solicita o apoio de uma enfermeira para realizar um procedimento a um doente. A enfermeira chefe diz que não podia disponibilizar ninguém porque já faltava uma enfermeira e estavam todas ocupadas. O director de serviço disse-lhe “ Minha Sr.ª, eu sou Director de Serviço, fiz urgência esta noite, vou ver doentes na consulta e vou fazer uma série de exames a doentes,… eu sou médico.” Após uma pausa continuou: “ A Sr.ª… é … Enfermeira!”
!!! Ponto paragrafo !!!
Há tempos contava-me um(a) Enfermeiro(a) Chefe que nas reuniões da Direcção de Enfermagem era habitual referirem-se aos enfermeiros da prestação de cuidados por:
“Eles isto…”; “Eles aquilo…”; “Eles querem assim…”; “Eles vão…”
Eu prefiro falar em NÓS. Nós todos os enfermeiros independentemente da categoria.
E NÓS nos últimos anos fomo-nos vendendo e vendendo a profissão aos pouco e poucos;
Vendemo-nos pelo horário acrescido e por umas horas extraordinárias;
Vendemo-nos por um horário que permitisse acumular na clínica, na fábrica, na escola, no particular;
Vendemo-nos pelo SIGIC;
Vendemo-nos para não mudar de serviço durante o complemento, ou durante a especialidade ou pós-graduação;
Vendemo-nos para ficar mais “amigos” da chefia e termos a vida “facilitada”;
Vendemo-nos para evitar chatices com os dirigentes;
Vendemo-nos para mostrar que somos melhores e que fazemos melhor que o dirigente que esteve lá antes;
Vendemo-nos para manter o posto;
Vendemo-nos sem olhar às consequências dos nossos actos para a profissão e para os colegas.
A ENFERMAGEM SÓ SE PODE QUEIXAR DOS ENFERMEIROS.
E EU SÓ ME POSSO QUEIXAR DE MIM MESMO POR NÃO TER ACTUADO QUANDO DEVIA
PDSE: bem haja!
por Calimero

4 comentários:

  1. "Propala-se aos ventos a qualidade da prestação dos cuidados de saúde dos quais os de Enfermagem são essenciais, mas mantêm-se as equipas de Enfermagem no fio da navalha , sujeitando os Enfermeiros a horários e a condições de trabalho miseráveis e desumanas".
    E quem realiza os Congressos e Encontros com a "excelência dos cuidados", a "qualidade dos cuidados"?
    ENFERMEIROS! Nem mais!

    Subscrevo todo o texto por baixo!
    PARABÉNS!
    João Coimbra

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  2. Melhor seria incapaz de descrever a minha visão da enfermagem.
    "Deitamo-nos na cama que fazemos"

    Só tenho pena que apenas uma infima parte dos colegas pensem e ajam nesta linha de pensamento

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  3. O meu comentario a este post é: Puta q Pariu, muito boa analise de situaçao.
    estou completamente de acordo com o calimero

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