Se bem se recordam e para que não
caia no esquecimento, há cerca de duas semanas vieram a público graves
acusações de irregularidades nas contas da Ordem dos Enfermeiros (OE), através
da reportagem da TVI: “As contas da Ordem”. Apesar do sensacionalismo habitual
da TVI e de ter demonstrado mais uma vez, tal como em muitos outros meios de
comunicação social, que desconhece o que é enfermagem, como se comprovou na
jovem modelo enfermeira a olhar suspeita para um tubo de ensaio, como se de uma
cientista, ou técnica de laboratório se tratasse, foi relevante essa
reportagem. Nessa altura escrevi o último post – Polémica & crise na Ordem
dos Enfermeiros, era um momento importante de registo obrigatório, era um
momento de reflexão. Para minha surpresa recebo, pouco tempo depois, uma
solicitação de mensagem via Messenger da pessoa do momento, Enfª Graça Silveira Machado,
vice-presidente da Ordem dos Enfermeiros! Cumprimentou-me e disse que apesar de
alguns pormenores menos correctos, tinha gostado muito da última publicação.
Obviamente eu fiquei em choque, nem sabia muito bem o que pensar, a colega que
umas horas antes tinha aparecido em entrevista na TVI a relatar situações
graves que se passavam na OE e que desde o primeiro minuto mereceu a minha
consideração pela coragem que teve, estava a teclar comigo. Agradeci e
acrescentei que a reflexão poderia estar incompleta ou menos correcta, porque o
assunto OE era algo que sempre me suscitava interrogações, que não dominava.
Prontificou-se a esclarecer. Nesta altura fez-se luz e pensei: tal como eu,
muitos colegas têm dúvidas sobre o que se passou, têm dúvidas que envolvem a
O.E, poderia ser uma oportunidade para o PDDSE brilhar e sugeri uma entrevista.
Ela acedeu e aqui está, em primeira mão e exclusivo!
Apenas uma pequena nota prévia,
principalmente para os leitores que desconhecem o Blog e porque não quero de
todo que associem a entrevistada ao título do Blog. O “Porque deixei de ser
enfermeiro” nasceu de um desabafo, de um desalento que por vezes sentia e sinto
em relação à profissão e que julgo ser um pouco transversal a todos nós. Eu
nunca deixei e nunca deixarei de ser enfermeiro, mesmo que deixe um dia a
profissão. Amámos e defendemos a nossa classe, mas julgo que muitos de nós já viveram momentos de descrédito e desmotivação. Como forma de contrariar
essas sensações, nascia o Blog. A Enfª Graça Silveira Machado parece-me alguém que, tal como eu, ama
e defende a enfermagem e que procura acima de tudo uma evolução para a classe.
1ª PARTE
1. Neste
momento como define a sua situação na Ordem dos Enfermeiros (OE)?
Sou vice-presidente da OE eleita
por sufrágio universal directo e secreto pelos Enfermeiros que exerceram o seu
direito de escolha. Desde
Janeiro de 2017, e a meu pedido na Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), regressei à prestação de cuidados a 35 horas semanais na UCC onde estava colocada
antes de ser eleita.
2. As
acusações que faz são graves donde se depreende que tem provas. Em todo este
processo qual é a sua responsabilidade enquanto vice-presidente?
A minha responsabilidade como
vice-presidente e como enfermeira é mesmo essa. Após avaliar a situação e
tentar corrigi-la internamente , será denunciar o que está errado, utilizando
para isso todos os meios disponíveis. Ficarem, os Enfermeiros mais 4 anos na
ignorância, não me parece ser correcto e como alguém diz muitas vezes, é pouco transparente.
3. O
seu processo disciplinar foi-lhe levantado pelo Presidente do Conselho
Jurisdicional (CJ)? Se sim, quais os fundamentos?
Não foi um, mas sim dois
processos. Não pelo presidente mas pelo órgão - conselho Jurisdicional que,
segundo referem na deliberação, ambos processos foram levantados em plenário,
na reunião extraordinária de 20 Janeiro de 2017, tendo sido nomeados dois instrutores.
Recebi as notificações a 1 de Fevereiro de 2017, datada por carta a 26 de Janeiro de 2017.
No 1º processo a notificação
recebida é de abertura de processo de perda de cargo de vice-presidente do
conselho directivo, referindo que foi deliberado em plenário, mas não recebi a
dita deliberação. No mesmo informam-me que estou suspensa de funções - pouco
compatível com o art.º 91 nº2 do estatuto da OE, mais... porque o processo de
perda de cargo não é um processo disciplinar .
No 2º processo a deliberação proferida pelo plenário não me é entregue
sendo-me apenas "enviado", referenciado como anexo, o relatório do
processo de averiguações que de facto não veio, tendo eu pedido telefonicamente
e recebido a 2/02 via email, pelo instrutor do processo. O relatório instrutor
do processo de averiguações contém acusações de gravidade extrema, falsas e
altamente injuriosas e difamatórias, razão pela qual apresentarei queixa-crime
às autoridades competentes. Mais… nos termos do art 92 do Estatuto da OE existe
uma natureza secreta na sua divulgação não respeitada pela digníssima Bastonária que por email aos ELOS (Elementos de ligação à Ordem) e
posteriormente em redes sociais, mailing list etc, o divulgou. Ainda eu não
tinha conhecimento dos processos disciplinares e já a Sra Bastonária anunciava.
Aguardo a actuação do CJ, em
relação a esta situação uma vez que houve uma denúncia, e segundo o estatuto OE
, artigo 92 número 3 - O arguido ou o interessado, quando membro
da Ordem, que não respeite a natureza secreta do processo incorre em
responsabilidade disciplinar.
O relatório instrutor não constitui um despacho de acusação, sendo que nem sequer me foi dado prazo para defesa.
4. É
verdade que o presidente do CJ foi pressionado para lhe levantar esse processo?
O presidente do CJ, desde que sai
da OE a 19 de Novembro que me contactou várias vezes por telefone, por sms e
uma presencialmente para saber se sempre eu iria renunciar ao cargo, referindo
que assim não teria que me levantar um processo disciplinar para o qual estava a ser
pressionado.
5. Para
todos os efeitos legais ainda está no exercício de funções. Tem sido convocada
para as reuniões?
Não. E também fiquei sem acessos
quer da intranet, onde poderia consultar a ordem de trabalhos, documentos e
actas, como também do meu mail da OE. De nenhuma destas situações me foi dado conhecimento. Também me
retiraram as áreas a que estava atribuída sem me notificarem de tal. Mais… em
cargos a que fui eleita nominalmente também por votação, após apresentação de
CV e não por ser elemento da OE, como foi o caso do Fórum europeu dos cuidados
de saúde primários, a digníssima Bastonária contactou a presidente do mesmo,
via Skype e informou a mesma que eu tinha em curso um processo criminal de
extrema gravidade pelo que seria bom para o fórum retirar-me do conselho
consultivo para o qual tinha sido eleita. E assim foi!!! Ainda eu não tinha
sido notificada pelo CJ e nunca fui notificada pela PJ até hoje por um processo
criminal...
6. Ana
Rita Cavaco era alguém da sua confiança e vice-versa, neste momento como
caracteriza a vossa relação?
Conheci a Enfª Ana Rita há 4 anos
quando fui convidada por um amigo e colega para fazer parte do projecto de
candidatura à OE. Na altura convivi pouco com a Ana Rita, pois entrei a meio do
processo. Perdemos essas eleições e pelos momentos conturbados que se viveram
nos dias da contagem de votos houve de facto uma aproximação de ambas. Daí até
há 2 anos antes das eleições de 2015 falei esporadicamente com a Ana Rita
voltando a encontrar me com ela em tribunal pelo processo de anulação da
eleição do mandato do Enfº Germano, no qual eu era testemunha. Encontrava-se nessa altura a Enfª Ana
Rita a passar por um processo difícil da sua vida por perda de entes e
encontrava-se de baixa.
Durante o ano de 2015, houve uma grande
aproximação, passamos a ver-nos quase todos os dias e sim ganhei por ela uma
amizade. Iniciamos também o percurso para estas eleições. Trabalhámos muito e intensamente
o que obrigava a passar mais tempo com ela do que com a minha família. Ninguém
nesta candidatura trabalhou para cargos. À excepção dos presidentes das secções
e do vice-presidente Luís Barreira, ninguém sabia onde ou em que lugar iria
estar nesta candidatura. Estávamos sim por um projecto de mudança em que
partilhávamos todos o mesmo sentimento de insatisfação pelo que a Ordem nos deu
sobretudo nestes últimos 4 anos. Partilhávamos também o facto de sermos orgulhosamente
enfermeiros. Soube que ia ser vice-presidente quando em casa da Ana Rita se
iniciou o processo de listagem de pessoas pelos órgãos para entrega da
candidatura.
Aceitei com muita alegria como
aceitaria qualquer outro lugar. Queria sim vencer e contribuir para uma vitória
de mudança. Falar mais do que isto em relação a minha ligação pessoal com a Ana
Rita é entrar na esfera privada, que eu preservo.
7. Afinal,
alguém que está a tempo inteiro na OE de que forma é remunerado? (vencimento
base da sua entidade empregadora de base e/ou vencimento fixo na OE e/ou ajudas
de custo "fictício")
Para se estar a tempo inteiro ou
parcial na OE é necessário pedir à tutela um acordo de cedência de interesse público.
Depois de cedido cabe à instituição que te recebe pagar o vencimento - lei
nº12-A/2008 de 27 de Fevereiro , capitulo IV art. 58 nº 2 - O acordo pressupõe a concordância
escrita do órgão ou serviço, do membro do Governo respectivo, da entidade e
do trabalhador ... e nº 3 - A cedência de interesse público sujeita o
trabalhador às ordens e instruções do órgão ou serviço ou da entidade
onde vai prestar funções, sendo remunerado por este com
respeito pelas disposições normativas aplicáveis ao exercício daquelas
funções.
Assim, cabe a OE pagar o vencimento auferido na
nossa instituição de origem. Para além disso existe uma circular normativa
9/2014 - reembolso de despesas em actividades da Ordem e ainda outra que
estabelece as ajudas de custo no estrangeiro.
Quando iniciei funções a tempo inteiro na OE ,a 2/2/16, foi
pedido através do assessor jurídico da digníssima Bastonária , o advogado Alexandre
Oliveira, a minha cedência. Assim, a OE começou a pagar-nos o “vencimento” ainda
mesmo sem alguns terem o acordo de
cedência efectuado, como se de um adiantamento de vencimento se tratasse (sem descontos).
Em Junho de 2016, ainda sem eu ter o meu acordo de cedência,
a Sra Bastonária deu indicação para que a OE nos inscrevesse na ADSE e CGA e
passássemos a receber como vencimento com os tais descontos. Na altura ,o que
me foi dito pela
responsável pelo processamento dos vencimentos (funcionária da empresa de
contabilidade da Ordem desde Novembro de 2015- your concept)é que não me
conseguiram inscrever na ADSE e CGA pois a ARSLVT ainda não tinha dado autorização pelo que aguardaríamos pela mesma, não
deixando de fazer os descontos, mas retendo-os na Ordem, para os devolver à ARSLVT quando solicitassem.
Em fins de Outubro de 2016 venho a
saber que a situação se mantinha
sem fazerem a minha inscrição (e eu sem ter assinado qualquer acordo de
cedência). Decidi então ir a secção de pessoal do meu centro de saúde para
tentar perceber o que se passava e foi nesse dia (e com testemunhas) que vim a
saber que os recursos humanos do meu ACES não sabiam onde eu estava e que ainda
processavam o meu vencimento. Pior foi quando ali contactámos a ARSLVT na pessoa da Dra Luísa
Fernandes, que me disse que não tinham conhecimento de nenhuma cedência. Assim
fui a ARSLVT entreguei tudo o que tinha de documentos, referindo que ainda não tinha assinado o meu acordo de
cedência. O dito vencimento pago pela ARSLVT estava a ser depositado
numa conta que já não utilizava pois quando iniciei funções na OE, passei a utilizar uma conta do banco
com que a OE trabalhava. Após a ARSLVT lançar a nota de liquidação, transferi o
valor na totalidade para a mesma.
Recebi o meu contrato de cedência por correio a 20/01/2017,
pelo gabinete da digníssima Bastonária, sendo que ironicamente o dito contrato de
cedência supostamente iniciado a 2 Fevereiro de 2016 já tinha terminado a 31 de Dezembro de 2016, sendo que em 23 de Novembro do mesmo ano fiz um requerimento à
ARSLVT para regressar ao ACES a 3 de Janeiro de 2017.
8. Como
classifica as incongruências nas despesas apresentadas pelo vice-presidente
Enfº Luís Barreira, denunciadas na reportagem da TVI?
Quando estamos a fazer algo
incorrecto, é natural que os erros surjam. Fazíamos duas folhas diferentes de
despesas. A verdadeira, ou seja, a que reflectia de facto as despesas
efectuadas comprovadas com facturas com o Nif da OE e inclusive de viagens que
realmente tínhamos feito (no caso do Vice-presidente Luís Barreira, que é de Braga, todas as
sextas-feiras colocava a sua ida e depois a sua vinda para Lisboa no domingo). Essa folha normalmente era feita a
computador pela secretaria do gabinete executivo, a quem entregávamos as
referidas facturas e informações necessárias, tendo inclusive acesso à nossa
agenda, sabendo das nossas viagens em trabalho. Depois fazia-se uma segunda
folha de despesas à mão onde de 15 em 15 dias colocávamos viagens fictícias, em
que os seus Kms dessem para justificar no total os 1400€. As folhas do Enfº
Luís Barreira são prova exacta do que é fictício e do que é verdadeiro.
Estas folhas davam entrada directamente na conferência de custos, departamento onde se valida as facturas, os Km realizados e transforma-os em Euros, etc, sendo depois enviado para a
tesouraria para processar o pagamento. Quando estes valores eram colocados no
banco para serem pagos, com a rubrica “despesas”, recebíamos um mail (a
digníssima Bastonária, os 2 vices-presidentes e o tesoureiro) da tesouraria para
validarmos esses pagamentos na net banco sendo sempre necessário 3 assinaturas (digníssima Bastonária, um dos 2 vices-presidentes e/ou tesoureiro). É
importante esclarecer que não se pode fazer qualquer transacção bancária, a
excepção de consultas, sem ter 3 assinaturas (neste mandato são as que atrás
referi) a autorizar as mesmas.
Esses valores foram aprovados logo na primeira reunião do Conselho Directivo (CD) baseada na
circular normativa 2/12, como ajuda de
custos para os membros do conselho directivo, sendo proposto e aprovado por
unanimidade: 2800 euros para a Bastonária, 1400€ para os vices, 467 para o
tesoureiro e secretarias do CD e sugere-se 1400€ para os presidentes das
secções. Surgiram após esta reunião de CD algumas dúvidas de como definir estes
pagamentos, pois na verdade se fossem como ajudas de custo então não se poderia
pagar deslocações, estadias , etc. Mas também não poderiam ser como remuneração,
o que o novo estatuto já o permite, pois teria que ir primeiro à AG. Assim no mesmo mês de Fevereiro passei um recibo verde. Em Março, as indicações da Sra Bastonária era de que não
se passava recibos verdes, mas fazia-se sim folha de Km até se arranjar uma
solução legal. Assim o fiz até Novembro, sem que a dita solução aparecesse. Ora,
estando a terminar o ano, não querendo incorrer num crime fiscal passei
um recibo verde da totalidade desses valores até Novembro de 2016.
9. De
que forma os elementos do CD se deslocam para as reuniões pelo país?
As deslocações de qualquer membro tem de ser aprovadas
pelo Sr Tesoureiro, se forem do âmbito nacional via mail, e pelos presidentes
das secções regionais no caso de actividades no âmbito regional, em que se tenta
cumprir sempre a circular 09/14, onde o uso de viatura própria não está posta
como primeira alternativa. Para os elementos do CD, pela necessidade de nos
deslocarmos mais frequentemente e por vezes em cima da hora, essa autorização
ficou permanente dada logo no início pelo Sr tesoureiro. Assim, eu por exemplo,
utilizava muito o meu carro, mas dentro de Lisboa muitas vezes utilizava táxi.
A Sra Bastonária utilizava também o avião principalmente para o Porto, onde também eu fui, uma ou duas vezes na sua companhia, sendo, por
incrível que pareça, por vezes mais económico que qualquer outro meio de
transporte. O Sr tesoureiro por exemplo, sempre que vinha a Lisboa usava o comboio, à excepção de quando vinha ou ia de
"boleia" com os colegas do Norte que utilizam o carro da secção do
norte (já comprado no anterior mandato).
Para o estrangeiro também existem ajudas de custo definidas
na circular normativa 05/14.
10. Considera justo o valor da quota paga pelos
enfermeiros à OE, tendo em conta os vencimentos abaixo do expectável dos
enfermeiros, o desemprego e o saldo bancário milionário da OE?
Não. Acho que a quota pode e deve ser de 7€. Do dinheiro
das quotas a OE paga um seguro de responsabilidade profissional que fica a cerca de 3.5€ por enfermeiro. Somos muitos, logo se todos cumprirem o
pagamento das quotas, 7€ é suficiente para se poder trabalhar em prol da
enfermagem e dos enfermeiros. Os Desempregados, baixas prolongadas, já tem um
tratamento especial quando justificada correctamente a situação.
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