Recebi este email, o qual me orgulho de publicar,
"Muito bom dia! Peço desde já desculpa por não me identificar, mas peço que me compreenda, pois não fico muito à vontade em lhe dar a minha identidade, sem ofensa alguma. Obti o seu mail apartir do blog porquedeixeideserenfermeiro.blogspot.pt (admiro muito os seus post's). Sou estudante do 12ºano, no distrito de Setúbal e como tal este é ano da minha candidatura ao ensino superior.
Eu tenho interesse em seguir Enfermagem, contudo as informações que encontrei na internet não me desfazem por completo as dúvidas acerca do curso e da profissão e a maior parte da informação são páginas brasileiras. Gostaria de saber qual o seu lado positivo da enfermagem, o bom da profissão que o fez levar a segui-la. Gostava também de esclarecer um dúvida que me intriga bastante: o quão é preciso ser psicologicamente forte para poder seguir esta área, isto é, sei que na profissão fazem tratamentos com pacientes que podem ferir a sensibilidade e aos quais eu tenho dúvidas se seria capaz de os realizar tais como traqueostomias ou sondas vesicais. Aos enfºs estes processos também lhes "fazem impressão" contudo têm a capacidade de se abstrair do sofrimento do paciente e meter as impressões de lado ou simplesmente têm uma mente forte e aguentam tudo? Mais uma única pergunta, como é o dia-a-dia do enfermeiro? As rotinas, o convívio com os colegas, etc etc.. Seria muito importante para mim que me pudesse responder, se assim entender, pois eu não tenho alguém próximo que exerça a profissão e que me pudesse explicar todas estas dúvidas.
Muito obrigado!
A MINHA RESPOSTA:
Olá! Antes de mais trata-me por tu! Vou tratar-te por João, para ser mais fácil a comunicação, não leves a mal! Não sei se és M ou F, mas caso sejas F, penso que as F's não se incomodam tanto como os M´s na eventual troca de sexos.
É de facto gratificante receber este pedido de ajuda de um jovem que está numa fase muito importante da sua vida e por isso, faço desde já o apelo a todos os enfermeiros que se interessam pelo futuro dos nossos jovens, a responder a estas simples questões que o João coloca.
João, fiz um "apanhado" de posts desde o início deste Blog, que te poderão interessar e levar a perceber as vantagens e desvantagens em optar por seguir a carreira de enfermagem. Muito provavelmente, caso leias, vais levantar muitas reticências e pontos de exclamação/interrogação em relação à enfermagem, isto porque muitos dos posts são de crítica, lamentações, desabafos, ou seja, aspectos negativos, mas deixa que te diga que a enfermagem também tem alguns aspectos positivos... (curioso que primeiro escrevi "muitos", mas rapidamente corrigi para "alguns") que também são mencionados neste Blog.
Vou então, por ordem cronológica, referir os posts e depois é só consultares na barra lateral direita "Arquivo". Ao clicares vais ter acesso aos comentários dos leitores, o que também é importante, pois não te deves "fiar" só na minha opinião ;)
Enfermagem Multi-usos (OUT/2008)
(Dis)Stress em enfermagem (NOV/2008)
Natal dos hospitais II (DEZ/2008)
Os artistas dos hospitais (DEZ/2008)
Quem cuida quem (Abril/2009)
Desabafo de 1 enfermeiro (Abril/2009)
Um dia na vida de 1 enfermeiro da admissão (4 episódios) (JUN/2009)
Enfermeiros atirados aos leões (AGO/2009)
Opiniões II - A crise na Enfermagem (OUT/2009)
Nervos à flor da pele (NOV/2009)
Ganhem juízo (NOV/2009)
Opiniões III - Evidências e lamentações (DEZ/2009)
Enfermagem, classe profissional ostracizada in Jornal O Público (JAN/2010)
Os desabafos de um enfermeiro açoriano (JUN/2010)
Opiniões VI - A mãe enfermagem (JUN/2010)
A erosão nos hospitais (JUL/2010)
A década da decadência VOL I, II e III (OUT/2010)
Reconhecimento (JAN/2011)
O elogio de Miguel Portas aos enfermeiros (MAI/2011)
Finalistas mal preparados (MAI/2011)
Os enfermeiros são os que mais levam nos dentes (JAN/2012)
Estes posts provavelmente vão responder-te directamente a algumas dúvidas tuas, no entanto haverá outros que abordam questões relacionadas com a enfermagem de uma forma mais periférica.
Agora respondendo directamente às tuas questões: Fui para enfermagem com algum receio, pois como qualquer jovem da tua idade, não tinha noção do que é ser enfermeiro. Houveram pessoas que me aconselharam e que me disseram que a enfermagem era uma profissão bonita e que tirando o curso, depois poderia optar por vários caminhos dentro dessa área. Este facto não deixa de ser verdade, enfermagem é uma profissão muito digna e pode ser muito interessante e há vários caminhos a seguir. Caso tires o curso, depois podes optar por uma especialização (p.e. saúde materna, pediatria, reabilitação, psiquiatria, etc, etc), no entanto o problema é que a carreira de enfermagem em termos "legais", sofreu duros golpes e hoje em dia, não se abrem vagas para estes enfermeiros especialistas (apesar de haver trabalho a fazer), nem são reconhecidos, nem recompensados monetariamente como tal. Ou seja, muitas vezes são aproveitados as habilitações destes enfermeiros pelas instituições, mas o enfermeiro não vê o retorno do seu investimento, porque não é pago como especialista.
Quem possui aquela vertente humana, que é o gosto de ajudar alguém, proporcionar o bem-estar e aliviar o sofrimento, a dor, então enfermagem será uma boa opção. Esse é o lado positivo da enfermagem, incluindo aqui, o proporcionar uma morte digna à pessoa. A morte não pode ser encarada como o lado negativo. O enfermeiro deve construir a capacidade de saber lidar com a morte, ajudando a tornar este processo menos doloroso para a pessoa e seus familiares. Temos que ter presente que a morte é um processo natural, nascemos, vivemos e morremos, tão simples como isso. A morte inesperada e em idades improváveis é bem mais difícil de enfrentar, no entanto, de um modo geral, os elementos das equipas apoiam-se uns aos outros. Enfermagem também é muito isso... o espírito de equipa, caracterizado pela partilha, confidência, camaradagem. Claro que também há chatices, como em todo o lado.
O lado positivo da enfermagem também é a sua diversidade de áreas. Podes trabalhar em diferentes contextos e em poucos o trabalho é rotineiro, repetitivo e monótono. Quanto mais souberes, quantos mais conhecimentos tiveres, mais diversificado é o teu trabalho, mais partido disso tira o doente.
Quanto à questão que colocas do "psicologicamente forte", penso que as pessoas mais sensíveis ao sofrimento do outro devido a intervenções invasivas, conseguirão ser enfermeiros, sem dúvida alguma. Lembro que no meu primeiro dia de estágio tive que sair da enfermaria após ver um doente com uma ulcera de pressão (aquelas "lesões" que aparecem a doentes acamados por tempo prolongado), com o passar do tempo, fui-me habituando, passou a ser normal. O importante é perceber que com um bom plano, as coisas vão melhorar e que com prevenção, não voltarão a surgir. Plano e prevenção são duas palavras-chave em enfermagem.
Nenhum enfermeiro aguenta tudo. Às vezes pode parecer que aguentam, mas temos que ter a noção que é necessário descomprimir para o nosso bem-estar físico e mental. Pode haver alguns que se abstraem ao sofrimento dos outros, ao ponto de nada fazerem para o aliviar. Esses serão os maus profissionais. Mas há aqueles que têm a capacidade de se abstrair, mas saber agir, aí é que está o segredo. Nunca deverás levar o sofrimento dos outros para casa. Sofrimento faz parte da vida humana e há sofrimento no mundo muito mais intenso do que aquele que hás-de ver enquanto enfermeiro, num hospital português/europeu.
Quanto ao dia-a-dia do enfermeiro e o convívio, depende do caminho que segues. Imagina que vais para um Centro de saúde, terás um horário mais fixo e regular, muito provavelmente trabalhando de 2f a 6f, eventualmente alguns sábados, com umas folgas pelo meio da semana e isto sempre trabalho diurno. Se fores para um hospital, eventualmente vais trabalhar por turnos, podes ter que trabalhar num domingo ou feriado, durante a noite, no Natal , Páscoa, passagem de ano (mas nem sempre claro, roda por todos). A nível de carga semanal, até não nos podemos queixar, está definido por lei que o horário de trabalho para um enfermeiro são de 35h semanais. Há profissões onde trabalham muitas mais horas. O convívio depende do espírito das equipas. Há boas relações entre enfermeiros e entre enfermeiros e médicos, mas também há maus ambientes, como em todo o lado. Depende muito das chefias, das condições de trabalho que são criadas e do volume de trabalho. Quantas mais condições de trabalho tiveres, quanta mais segurança em trabalho, volume de trabalho adequado, sem ser excessivamente elevado, melhor é o ambiente e relação profissional.
O teu trabalho depende sempre do bom funcionamento de outras categorias profissionais. Quando os profissionais são poucos, o caldo pode-se entornar.
João, espero que tenha sido esclarecedor. Alguma questão cá estarei!
Boa sorte, abraço!
G.
A MINHA RESPOSTA:
Olá! Antes de mais trata-me por tu! Vou tratar-te por João, para ser mais fácil a comunicação, não leves a mal! Não sei se és M ou F, mas caso sejas F, penso que as F's não se incomodam tanto como os M´s na eventual troca de sexos.
É de facto gratificante receber este pedido de ajuda de um jovem que está numa fase muito importante da sua vida e por isso, faço desde já o apelo a todos os enfermeiros que se interessam pelo futuro dos nossos jovens, a responder a estas simples questões que o João coloca.
João, fiz um "apanhado" de posts desde o início deste Blog, que te poderão interessar e levar a perceber as vantagens e desvantagens em optar por seguir a carreira de enfermagem. Muito provavelmente, caso leias, vais levantar muitas reticências e pontos de exclamação/interrogação em relação à enfermagem, isto porque muitos dos posts são de crítica, lamentações, desabafos, ou seja, aspectos negativos, mas deixa que te diga que a enfermagem também tem alguns aspectos positivos... (curioso que primeiro escrevi "muitos", mas rapidamente corrigi para "alguns") que também são mencionados neste Blog.
Vou então, por ordem cronológica, referir os posts e depois é só consultares na barra lateral direita "Arquivo". Ao clicares vais ter acesso aos comentários dos leitores, o que também é importante, pois não te deves "fiar" só na minha opinião ;)
Enfermagem Multi-usos (OUT/2008)
(Dis)Stress em enfermagem (NOV/2008)
Natal dos hospitais II (DEZ/2008)
Os artistas dos hospitais (DEZ/2008)
Quem cuida quem (Abril/2009)
Desabafo de 1 enfermeiro (Abril/2009)
Um dia na vida de 1 enfermeiro da admissão (4 episódios) (JUN/2009)
Enfermeiros atirados aos leões (AGO/2009)
Opiniões II - A crise na Enfermagem (OUT/2009)
Nervos à flor da pele (NOV/2009)
Ganhem juízo (NOV/2009)
Opiniões III - Evidências e lamentações (DEZ/2009)
Enfermagem, classe profissional ostracizada in Jornal O Público (JAN/2010)
Os desabafos de um enfermeiro açoriano (JUN/2010)
Opiniões VI - A mãe enfermagem (JUN/2010)
A erosão nos hospitais (JUL/2010)
A década da decadência VOL I, II e III (OUT/2010)
Reconhecimento (JAN/2011)
O elogio de Miguel Portas aos enfermeiros (MAI/2011)
Finalistas mal preparados (MAI/2011)
Os enfermeiros são os que mais levam nos dentes (JAN/2012)
Estes posts provavelmente vão responder-te directamente a algumas dúvidas tuas, no entanto haverá outros que abordam questões relacionadas com a enfermagem de uma forma mais periférica.
Agora respondendo directamente às tuas questões: Fui para enfermagem com algum receio, pois como qualquer jovem da tua idade, não tinha noção do que é ser enfermeiro. Houveram pessoas que me aconselharam e que me disseram que a enfermagem era uma profissão bonita e que tirando o curso, depois poderia optar por vários caminhos dentro dessa área. Este facto não deixa de ser verdade, enfermagem é uma profissão muito digna e pode ser muito interessante e há vários caminhos a seguir. Caso tires o curso, depois podes optar por uma especialização (p.e. saúde materna, pediatria, reabilitação, psiquiatria, etc, etc), no entanto o problema é que a carreira de enfermagem em termos "legais", sofreu duros golpes e hoje em dia, não se abrem vagas para estes enfermeiros especialistas (apesar de haver trabalho a fazer), nem são reconhecidos, nem recompensados monetariamente como tal. Ou seja, muitas vezes são aproveitados as habilitações destes enfermeiros pelas instituições, mas o enfermeiro não vê o retorno do seu investimento, porque não é pago como especialista.
Quem possui aquela vertente humana, que é o gosto de ajudar alguém, proporcionar o bem-estar e aliviar o sofrimento, a dor, então enfermagem será uma boa opção. Esse é o lado positivo da enfermagem, incluindo aqui, o proporcionar uma morte digna à pessoa. A morte não pode ser encarada como o lado negativo. O enfermeiro deve construir a capacidade de saber lidar com a morte, ajudando a tornar este processo menos doloroso para a pessoa e seus familiares. Temos que ter presente que a morte é um processo natural, nascemos, vivemos e morremos, tão simples como isso. A morte inesperada e em idades improváveis é bem mais difícil de enfrentar, no entanto, de um modo geral, os elementos das equipas apoiam-se uns aos outros. Enfermagem também é muito isso... o espírito de equipa, caracterizado pela partilha, confidência, camaradagem. Claro que também há chatices, como em todo o lado.
O lado positivo da enfermagem também é a sua diversidade de áreas. Podes trabalhar em diferentes contextos e em poucos o trabalho é rotineiro, repetitivo e monótono. Quanto mais souberes, quantos mais conhecimentos tiveres, mais diversificado é o teu trabalho, mais partido disso tira o doente.
Quanto à questão que colocas do "psicologicamente forte", penso que as pessoas mais sensíveis ao sofrimento do outro devido a intervenções invasivas, conseguirão ser enfermeiros, sem dúvida alguma. Lembro que no meu primeiro dia de estágio tive que sair da enfermaria após ver um doente com uma ulcera de pressão (aquelas "lesões" que aparecem a doentes acamados por tempo prolongado), com o passar do tempo, fui-me habituando, passou a ser normal. O importante é perceber que com um bom plano, as coisas vão melhorar e que com prevenção, não voltarão a surgir. Plano e prevenção são duas palavras-chave em enfermagem.
Nenhum enfermeiro aguenta tudo. Às vezes pode parecer que aguentam, mas temos que ter a noção que é necessário descomprimir para o nosso bem-estar físico e mental. Pode haver alguns que se abstraem ao sofrimento dos outros, ao ponto de nada fazerem para o aliviar. Esses serão os maus profissionais. Mas há aqueles que têm a capacidade de se abstrair, mas saber agir, aí é que está o segredo. Nunca deverás levar o sofrimento dos outros para casa. Sofrimento faz parte da vida humana e há sofrimento no mundo muito mais intenso do que aquele que hás-de ver enquanto enfermeiro, num hospital português/europeu.
Quanto ao dia-a-dia do enfermeiro e o convívio, depende do caminho que segues. Imagina que vais para um Centro de saúde, terás um horário mais fixo e regular, muito provavelmente trabalhando de 2f a 6f, eventualmente alguns sábados, com umas folgas pelo meio da semana e isto sempre trabalho diurno. Se fores para um hospital, eventualmente vais trabalhar por turnos, podes ter que trabalhar num domingo ou feriado, durante a noite, no Natal , Páscoa, passagem de ano (mas nem sempre claro, roda por todos). A nível de carga semanal, até não nos podemos queixar, está definido por lei que o horário de trabalho para um enfermeiro são de 35h semanais. Há profissões onde trabalham muitas mais horas. O convívio depende do espírito das equipas. Há boas relações entre enfermeiros e entre enfermeiros e médicos, mas também há maus ambientes, como em todo o lado. Depende muito das chefias, das condições de trabalho que são criadas e do volume de trabalho. Quantas mais condições de trabalho tiveres, quanta mais segurança em trabalho, volume de trabalho adequado, sem ser excessivamente elevado, melhor é o ambiente e relação profissional.
O teu trabalho depende sempre do bom funcionamento de outras categorias profissionais. Quando os profissionais são poucos, o caldo pode-se entornar.
João, espero que tenha sido esclarecedor. Alguma questão cá estarei!
Boa sorte, abraço!
G.