Estou incrédulo, indignado e revoltado, o profissionalismo dos enfermeiros foi
posto em causa injustamente, com base em pressupostos que não têm qualquer
fundamento.
Vejo na TVI uma reportagem onde é dito pela Ordem dos médicos
(OM), que a Triagem de Manchester (TM) é mal
feita pelos enfermeiros e que
deveria ser feita por médicos, pois têm mais competência para efectuar um diagnóstico. Exemplificam com
um caso, onde foi dada uma pulseira verde (pouco urgente - tempo máximo de
espera 120 mnts) a uma doente, que no momento de observação médica entrou em
paragem respiratória.
De seguida vejo a reacção do Bastonário da Ordem dos enfermeiros
e, por muito que se tenha esforçado, não deu uma resposta à altura e
devidamente justificada, mas dou-lhe um desconto porque a sua área, enquanto
profissional, nada tinha a ver com triagem e urgência.
Sendo assim e porque tenho várias centenas de horas de experiência
em TM, sei que estarei à altura de responder à injusta e acima de tudo errada declaração da responsabilidade da OM,
proferida por alguém que notoriamente não tem consciência nem conhecimento
do que é a TM.
Para quem desconhece e para contextualizarmos, a TM é um sistema
de classificação de prioridades e encaminhamento dos utentes que recorrem ao
Serviço de Urgência. É efectuada desde há 10 anos por enfermeiros, ou seja
desde a sua implementação em Portugal. É um sistema aplicado em vários países
e, posso quase garantir, que em todos eles é feita por enfermeiros.
No início da sua implementação foram criadas equipas de formadores
(médicos e enfermeiros) que, numa sessão teórica e prática, num total de 8
horas (!), explicaram os seus princípios e
aplicação. Portanto trata-se de uma formação de curta
duração e propositadamente de processos extremamente simples. Estes formandos eram em 99%
dos casos, enfermeiros. Recuando, entre várias dezenas de enfermeiros, recordo
um médico a assistir a esta formação, no entanto posso garantir que nem esse
médico, nem nenhum médico em Portugal tem um minuto de TM na prática, e porquê?
Porque rapidamente perceberam que a TM não é um sistema de atribuição de diagnósticos,
como o Sr Bastonário da OM refere, porque rapidamente perceberam que era uma
trabalho extremamente desgastante, onde têm que ser efectuada uma observação
rápida e individual (1-2 minutos) de um número situado em 3 dígitos de doentes
, por dia. Num turno de 8 horas, para um triador,
poderão passar cerca de 150 utentes, onde lhe são colocadas questões
simples, como p.e: “De que é que se queixa?”, questões e respostas pormenorizadas
são sempre evitadas, porque esse não é o objectivo que está preconizado para a TM,
esse será o objectivo do médico e do enfermeiro, no momento da observação
clínica do doente, já num gabinete médico, numa sala de tratamentos, numa sala
de emergência, ou em qualquer sala de observação, já no Serviço de Urgência
propriamente dito. Portanto e para que o Senhor Bastonário da OM perceba, a TM
funciona como uma antecâmara do Serviço de Urgência.
Devido a este volume excessivo de
admissões de utentes nos Serviços de Urgência, problema já sobejamente conhecido
e entranhado no nosso SNS e, como todas estas admissões “passam” pela TM, é
fácil perceber que os erros podem sempre acontecer, como acontecem e irão
continuar a acontecer, seja um enfermeiro, seja um médico a triar, caso o
sistema de saúde e a mentalidade e cultura portuguesa se mantenham.
Além disso, está mais que confirmado que
este sistema de TM criado no Reino Unido, tem as suas lacunas. É um sistema
falível, facto já confirmado por vários profissionais (médicos e enfermeiros)
da minha esfera profissional. Diariamente há várias situações onde o triador não
consegue “encaixar” o problema do utente no sistema da TM, por isso, Senhor
Bastonário, o erro aconteceu. Foi lamentável, foi um erro, mas aconteceu, como
muitos outros aconteceram e como muitos outros acontecerão, seja um médico,
seja um enfermeiro, o triador! Agora o que fazer para evitar? Revejam o sistema
de classificação da TM! Encontrem soluções para a avalanche de admissões nos
Serviços de Urgência!
Para que fique claro, os enfermeiros não
se opõem que os médicos façam TM. Muitos até agradecem, porque não gostam de
triar, e porquê? Porque além do que tenho dito, a TM é um local de grande risco
e responsabilidade, quando algo corre mal, como se viu pela acusação do
Bastonário da OM, os dedos apontam-se desde logo ao enfermeiro da TM.
Mas o que
o senhor Bastonário da OM não referiu, foram as infindáveis situações, em que o
enfermeiro da TM tria um doente com prioridade laranja (muito urgente – tempo de
espera máximo 10 mnts) e o médico critica a prioridade e acima de tudo o
encaminhamento do doente, achando que é excessiva e incorrecta. Muitos destes
casos são efectivamente urgentes, como Enfartes e AVCs e afinal o enfermeiro
estava certo e o médico estava errado.
O que o senhor Bastonário da OM se
esqueceu, foi de referir que doentes triados com cor laranja para uma
especialidade, por vezes esperam pelo atendimento muito mais do que os 10
minutos preconizados, por desvalorização ou pela não presença física no Serviço
de urgência por parte do(s) médico(s) de determinada especialidade, o que faz
com que muitas vezes o enfermeiro da TM anda feito “barata tonta” a sua procura, para lhe comunicar pessoalmente que
aquele doente precisa de um atendimento rápido, atrasando o seu próprio
trabalho.
O que o senhor Bastonário da OM se esqueceu de referir foi, que há colegas seus que, mesmo estando desocupados, não chamam os tais doentes com pulseira verde, pensando talvez que a TM estipula um tempo de espera e não um tempo máximo de espera. O que quero dizer com isto é que, muitas vezes doentes com pulseira verde esperam 2 horas pelo atendimento, quando poderiam esperar 30 minutos.
Sintetizando, a TM é um sistema imperfeito e que tem que ser feito com rapidez, dando azo ao erro. Erros há muitos e quem os comete somos todos, seja construtivo e encontre forma de os minimizar! Senhor Bastonário da OM, repense o que disse e peça desculpa aos enfermeiros,
caso contrário eu sou a favor de instauração de um processo contra si e contra
a OM.
A Ordem dos Enfermeiros que acorde e não
deixe passar impune esta acusação, ela existe essencialmente para a defesa da
classe e é para isso que pagámos quotas!